quarta-feira, 15 de junho de 2011



Amo-te como a planta que não floriu e tem
dentro de si, escondida, a luz das flores,
e, graças ao teu amor, vive obscuro em meu corpo
o denso aroma que subiu da terra.

Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde,
amo-te diretamente sem problemas nem orgulho:
amo-te assim porque não sei amar de outra maneira,

a não ser deste modo em que nem eu sou nem tu és,
tão perto que a tua mão no meu peito é minha,
tão perto que os teus olhos se fecham com meu sono.
(
Pablo Neruda)

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Descoberta

Em sua rotina, não eram necessários muitos cuidados. Limitava-se a arrumar o cabelo, sem muita vaidade e logo após o asseio diário, se munia do óculos que lhe permitiam enxergar a vida e se esconder do mundo.
O vestido era simples, mas também, pra que algo suntuoso ou insinuante? Se quando o que muito via eram os parentes dos vizinhos que vez ou outra procuravam a venda em que trabalhava para comprar uma pilha ou vela, para as noites de escuridão daquele lugar longíncuo.
E sua vida seguia calma, gostava daquele lugar. Mas como poderia não gostar. Só ali conheceu. Nasceu e foi criada. Estudou na salinha montada na casa da Dona Julia, mulher boa e prestativa, que abriu mão do luxo que poderia ter na cidade e se doou para que aquelas crianças dali soubessem o be-a-bá.
Também não tinha conhecimento da vida. Dona Julia não lhe apresentou mais do que as palavras. Esqueceu de lhe mostrar a vida, lhe falar do amor. Este, ela não conhecia até aquele momento. Até que ele entrou pra comprar... Mas comprar o quê? Ela não sabe. Desnorteada se perdeu entre as prateleiras, produtos, marcas. O que foi mesmo que ele pediu? Mas o que importava o que ele pediu? Era mais interessante olhar seus olhos, escutar sua voz, imaginar o toque da sua mão.
Talvez ela devesse lhe oferecer algo. Mas o que? Gostaria de poder lhe oferecer sua companhia, mas sabe que não deveria. E ele, comprou algo e saiu. Sequer se despediu... Ela esperou que voltasse. Imaginou que ele podia ter esquecido algo e que voltaria. E o amor que ela descobrira se mostrou da maneira mais rápida e arrebatadora que podia conhecer. Intenso e sem explicação, mas não menos doloroso ou sofrido. Será que ele não a viu? Viu. Mas talvez não tivesse tempo de se declarar...Talvez não tivesse coragem de dizer...Assim ela pensou e acalentou sua saudade. Saudade de algo que aconteceu numa fração de segundos, apenas em seu pensamento, desejo, boca e corpo.
Ajeitou o cabelo, arrumou os óculos e atendeu mais um, olhando para porta. Mas ele não voltou.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Coexistência

A outra estava lá. Encoberta, disfarçada, fantasiada de nada. Era melhor que fosse dessa maneira, assim, poderia agir sorrateiramente, se infiltrando e minando toda espécie de entusiasmo ou sensação de bem estar.
Bom mesmo se elas tivessem convivido pacificamente. Impossível. Egoísta, a outra jamais se permitiria dividir espaço com alguém. Ela queria reinar absoluta e ditar as regras.
Quando ainda criança, a menina não percebera quem criara "aquilo" ou que ela sequer existia. Viveu sua inocente infância, onde seu mundo se restringia às bonecas, trocadas diversas vezes pelas mesas de conversa adulta, onde o assunto parecia muito mais interessante, e não percebia que a outra caminhava lado a lado contigo, quase como sombra.
A adolescência foi mais complicada. Já sob seu julgo, a menina, ainda sem perceber, agia contra sua vontade, contrariada, desacreditada de si, numa briga interna e eterna contra si e contra a outra. Mas aquela se fortalecera pelos percalços da vida e cada vez mais exercia seu domínio sobre menina.
Por fim, ja em fase adulta, talvez pela maturidade, resolveu que não ia mais brigar. Se a presença da outra era inevitável, então que ela também se acostumasse com seus rompantes de alegria, misturados aos momentos de insatisfação e melancolia. Nesses últimos, a outra se regozijava.
Mas o tempo trouxe para a menina a independência ou pelo menos a vontade dela. Queria autonomia. Sentir por si mesma, determinar e coordenar a sua própria vida. A briga foi grande! Como desfazer um laço atado desde a mais tenra idade? Seria possível se desvencilhar? A menina sofreu, mas determinada, não abriu mão de si.
Hoje, se encontram, mal se olham, tentam não lembrar do poder que exerciam uma sobre a outra, é melhor não lembrar o passado. A menina ainda não se sente totalmente segura, ainda titubeia pra levantar a cabeça e caminhar com um andar altivo. Está aprendendo... Afinal, demora pra se aprender a autoestima e o amor próprio.

sábado, 28 de maio de 2011

Treinando o corpo...reensinando a alma.

Se eu fizer silêncio, consigo escutar os ranger dos músculos. Chega a doer. Há uma certa resistência. O corpo não está mais acostumado. Existe vontade, mas falta a prática, surge o medo de mexer em algo que pode ser maravilhoso ou que trará sofrimento, senão bem administrado.
Sempre foi prazeroso, uma terapia. Mas hoje dói.
E sobre o que eu o faria?
Talvez me falte a inspiração. Mas sei que noventa por cento é transpiração. Então, o que me prende?
Quase ofegante, faço força, resolvo sentimentos, buscando um ponto de partida. Podia ser uma dor, uma alegria, um segredo ou até mesmo um conselho, daqueles que dou e nunca sigo.
Seria mais fácil se soubesse por onde começar. Mas o problema é justamente esse: recomeçar. Preciso, quero, devo.
Como para um atleta em seu exercício físico diário, é o treino que traz a medalha, senão a excelência. Não quero excelência. Quero o prazer, a sensação de liberdade, como quem corre sentindo o vento no rosto e que ao final do seu treino, sente aquela alegria cansada, suada, mas satisfeita pela meta alcançada.
Como uma criança hiperativa, me distraio com tudo, tento fazer mil coisas ao mesmo tempo, na tentativa de me desviar do meu dever.
Será que consigo?
Acho que vou deixar pra amanhã... Amanhã eu volto a escrever...